Clay Marzo. Devo confessar que ainda que o nome me fizesse “soar algumas campainhas”, não sabia exactamente quem era. O que se compreende: tenho dificuldade em distinguir os “wonder kids” com que as revistas de surf nos bombardeiam mensalmente. Mais acrobacia, menos acrobacia, a certa altura torna-se difícil diferenciar quem é quem no concurso para “próximo melhor surfista do mundo”. Clay Marzo era, para mim, apenas mais um rapaz que passava mais tempo a voar por cima das águas do que a deslizar nas ondas. Preconceito. Escrevo “era” porque desde o número de Setembro da Surfer passei a saber com exactidão quem é o jovem havaiano. Entretanto, regressei ao Young Guns II, vi vídeos no YouTube, googlei o nome. Tudo motivado por um notável perfil traçado por Chris Mauro.
Comecemos pelo mais marcante. E o mais marcante não é o facto de Marzo, com apenas 18 anos, ser descrito como o equivalente a Dane Reynolds em goofy, mas, sim, ter-lhe sido recentemente diagnosticado a síndrome de Asperger, uma forma suave de autismo.
Ao contrário do que acontece com as formas mais desenvolvidas de autismo, quem tem Asperger não sofre de significativos atrasos cognitivos. As manifestações comportamentais desta síndrome prendem-se antes com dificuldades nas interacções sociais e, essencialmente, com comportamentos repetitivos e circunscritos a determinados interesses. Os Aspergers têm escassas competências sociais e são obsessivos, perfeccionistas, muito focalizados e vivem com uma intensidade exacerbada os seus interesses. Tony Attwood, um dos maiores especialistas clínicos na doença, afirma que “não se sofre de Asperger, sofre-se com as outras pessoas. O problema não é ter Asperger, o problema são os outros”. Não por acaso, os contributos de “Aspies” para o desenvolvimento científico e artístico têm sido notáveis. Entre outros, são normalmente descritos como tendo formas mais ou menos activas de Asperger, Einstein, Beethoven, da Vinci, o comediante Andy Kaufman, o campeão de xadrez Bobby Fisher... e o surfista Clay Marzo.
A relação de Marzo com o surf é tipicamente “Aspie”. Desde que, influenciado pelo seu irmão, o também surfista profissional, Cheyne Magnussen, experimentou uma prancha, transferiu os seus interesses para o surf, desenvolvendo uma relação obsessiva com tudo o que tivesse a ver com surfar ondas. Afastando-se sempre de qualquer tipo de redes sociais, a rotina de Marzo passou a ser feita exclusivamente de surf, surf e surf. Depois veio a repetição dos movimentos nas ondas, as tentativas sucessivas para realizar a manobra impossível, uma disponibilidade incansável para praticar e a memorização de todos os detalhes nos vídeos que vê obsessivamente. Se a esta predisposição para a aprendizagem juntarmos um notável talento, não é difícil perceber as razões da unanimidade em torno do futuro radioso de Clay Marzo no surf. Acontece que dificilmente um Asperger reunirá competências para competir, já para não falar da disponibilidade mental para se sujeitar às viagens constantes que fazem parte do quotidiano de um surfista que corre o QS e o CT.
Mas o que é mais notável na história de Clay Marzo é a sua exposição sensorial extrema. Ouve e sente as coisas dez vezes mais do que o comum dos mortais, conta a sua mãe à Surfer. Ora imaginem o que isto significa quando se surfa. Se para qualquer um de nós, o acto de percorrer uma onda é, já de si, a mais intensa e marcante das experiências; pensem agora numa amplificação sensorial do surf. É por isso que, ao ler o artigo, veio-me à cabeça aquela velha questão sobre quem é o melhor surfista do mundo, que tende a vir acompanhada pela resposta: “o que tem mais prazer”. Pois, então, está finalmente encontrado o nome do melhor surfista do mundo. Um jovem da ilha de Maui, no arquipélago do Havai, de seu nome Clay Marzo. Na verdade, não podemos deixar de o invejar pelo modo intensamente puro como vive cada onda surfada.
publicado no Sal na Terra da SurfPortugal.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Autismo = Perfeição?
Publicada por Rui Filipe à(s) 11.2.09
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
Aqui está a prova que não é por a pessoas serem diferentes que têm que ser discriminadas nem infelizes! Basta uma oportunidade igual á de qualquer ser humano banal.
AGORA IMAGINEM ESTE RAPAZINHO A VIR-SE. DEVE TER A SENSAÇÃO DE UM ELEFANTE. NEM TUDO É MAU REALMENTE. DO MAU TEMOS QUE TIRAR AS SUAS VANTAGENS. É OU NÃO É PESSOAL????????????
Tinha que ser... LOL pobre coitado também deve ser lixado levar uma bem entregue nos tomatos! Tudo na vida tem dois lados, o bom e o mau... hehehehe
Maravilhoso posting! Clay Marzo é de fato tudo isso e mais! rs! Abraço
Enviar um comentário